segunda-feira, 22 de junho de 2015

telemarketing of the dead - parte 2 de 3


Tomamos um café pela primeira vez. Eu e Nadja. Às vezes ela se sentava perto da minha equipe. Como aquele lugar nunca era organizado, trabalhávamos aonde dava. Nunca ficamos no mesmo lugar. E aquela foi a primeira vez que nos sentamos tão perto.
O dia prometia.
Ela me contou de um lance que tava rolando no Face, dos facões e das camisas. Era uma corrente. As mensagens falavam de corrupção, de exageros, de falta de liberdade. Criavam eventos e protestos em fins de semana. Como trabalhávamos no domingo, muitos funcionários estavam ali na empresa “protestando” com os trajes adequados e mostrando sua adesão à causa; enquanto a playboyzada voltava da praia em protestos organizados nos trânsitos. Nadja me disse que tinha até um protesto-micareta na praia para os que estavam com a família. Enfim, todos estavam protestando. 
Acho que só eu não sabia disso até então...
Um troço meio abstrato. Ela continuou:
- Eles mandam essas mensagens todos os dias!
- Caramba, Nadja, eu meio que saí do Facebook… Tava por fora mesmo. Sei lá, a minha vida não é tão empolgante quanto a dos meus amigos … mas, me diga, essas mensagens são tipo aquelas de Candy Crush?
Fiquei com uma cara de idiota fazendo a pergunta.
(ela me olhou com ternura. e explicou, toda bonitinha, ignorando o tom idiota da pergunta)
- Isso aí.. mais ou menos …
(continuou. arrumou uma mecha no cabelo que caía na testa. tão linda …)
- … só que é uma solicitação de um aplicativo que manda automaticamente para todos os usuários… como um vírus...
- Tipo Candy Crush?
Ela me olhou. 
...
- É, pensando bem …sim, é como se fosse Candy Crush! Uma praga! Nossa, eu tive uma epifania agora! Será que o Candy Crush é um vírus ideológico também? Um programa secreto?
Dei de ombros e disse: - Vai saber... Eu ri. Ela disse de um jeito tão divertido. Continuou: - Então... já que tem muita gente compartilhando essas mensagens, sem contexto algum ou questionamento, a coisa chega em todo mundo... Eles marcam um protesto todos os fins de semana, em atos diferentes, com coreografias diferentes. Por exemplo, hoje, é dia de protesto.
- Que protesto? Esse lance dos facões com purpurina? Pra quê?!
- Hoje, de acordo com o evento do Face, é dia demonstrar o repúdio contra os testes do vírus comunista em cobaias. Todo mundo tem que usar camisa da seleção e usar facões para matar os zumbis afetados pelo vírus.
Eu fiquei olhando um tempão para a cara dela.
Acho que, nesse momento, ela se assustou um pouquinho com isso.
- Como é que é, Nadja?! Nossa, eu preciso MESMO acessar o Face!!! Vírus?
Ela me explicou a parada. 
Didaticamente.
Rolava um boato nessas mensagens. Um rumor de que o governo testaria cobaias em um suposto programa secreto de imunização ideológica. O intuito? A agenda do programa? Tornar a todos comunistas. Com esse mote, e de acordo com o rumor e as mensagens do Face, o governo recrutava alguns coitados e ministrava essa droga como um teste preliminar de controle da população, implantando uma ditadura comunista no país. As cobaias recebiam uma bolsa-pagamento para tomar a droga. Uma espécie de Soma Vermelho. A corrente das mensagens se chamava “Fora Bolsa Comuna!!”
Era o nome que eles deram para a vacina... 
(bem...)
Eu tomei o café bem devagar. Degustava bem aquele papo e aquele nosso primeiro contato visual. Sim, aquilo tudo era uma bizarrice, mas...
- Nadja, bem “viagem” esse lance, né? Mas vai saber... essa não é a coisa mais estranha que eu vi no Face...
Ela riu.
- Poxa, se parece “viagem”? Tá me vendo com camisa de CBF e facões?! Olha esses babacas! Eu odeio esse lugar, um dia vou explodir essa pocilga. Eu vou sentar na bomba igual ao Holden Caulfield! Mundo besta abissal!
- … (suspiro)
(meu. deus. eu amo essa mina. eu amo. não consegui falar nada depois daquilo)
Nos olhamos. Duas almas-perdidas no refeitório tomando um café corrido e mastigando um pãozinho com manteiga às pressas. Sem direito a digestão. Fugindo do trabalho, tentando respirar um pouco. Tudo à volta ganhava um novo sentido naquele dia.
Passava um cara que era mó puxa-saco do Angélico. Tinha uma camisa da seleção brasileira e um facão que brilhava com uns adesivos da empresa. Ele fazia uma pesquisa com os funcionários, queria saber qual brinde preferíamos ao atingir a meta: um chaveiro ou um copo de plástico.
Aquilo era tão triste que nos entreolhamos, apercebendo-se do nosso dia de merda à frente...
- Vamos voltar?
- Vamos, já estourou a minha “pausa-banheiro”. Não posso tirar mais, Nadja. Agora só tenho a de almoço e janta...
- E a de medicação? A pausa da Fluoxetina? Você tem que usar! É o nosso direito!
- Não consegui uma receita, Nadja... esses médicos não são humanos… o RH daqui também é foda...
Ela me olhou com uma cara bonitinha de compreensão e ternura.
(ai, ai, essa menina …) Nos levantamos. Respiramos fundo. Olhamos à nossa volta. A preparação para o dia de trabalho estava nesse momento de contemplação das ruínas. Olhei para ela:
- Mas, vou te dizer, valeu a pena perder a pausa, tudo... Ela sorriu.
(continua)

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