quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

as bombas atômicas da minha infância

Tem um sonho que me acompanha desde que era pequeno.
Nele, toda a vez que subia para buscar pão na Natingui explodia uma bomba nuclear lá na Vila.
É preciso registrar que eu odiava buscar pão: não há nada mais entediante para um garoto estar brincando com os seus Comandos em Ação ou jogando Atari e ouvir a mãe gritando “Vai buscar pão!” umas mil vezes.Pra não falar que era uma fase normal de alienação-infantil perante esses problemas, devo dizer que esse hábito me acompanha até hoje: não comemos mais pão francês, só aquele Panco (antigo Seven Boyz) com mortadela e queijo naquela chapa de pobre que você enfia na boca do fogo diretamente para esquentar.E queima tudo...
Desisti de buscar pão.
E lá estava o sonho: eu, criança, indo com o saco do tamanho da Lua naquela padaria maldita com as suas abelhas-mutantes-do-filme-Sci-Fi-dominical-do-Sílvio-Santos rodeando todos os sonhos açucarados, línguas-de-sogra e fazendo os pobres moleques preguiçosos (como eu) ficarem com o cu na mão de serem picados.
Peço cinco pãezinhos e corro batendo com a mão, afastando as abelhas que insistem em me picar, essas abelhas que insistem em morrer.
É, elas morrem: deixam lá o seu ferrão enfiado na nossa pele e vão voando para morrer num lugar calmo cheio de flores e pólen, as asas ficam mais pesadas...
Dormem no cemitério das abelhas como Baleia sonhando com os preás.
Deve ser triste ser abelha.Mesmo não gostando delas, o eu-criança do sonho achava triste esse destino.
Jogo as moedas no vidro e espero a mulher contar.Agradeço como tonto desde pequeno esses seres que vivem atrás de balcões; mais tarde seria eu que estaria lá ouvindo desaforo e esperando os meus namoros fugirem na aurora de uma rotina cheia, dura e besta.Olhando o dinheiro nas minhas mãos e escrevendo sobre a vida dos outros que se encenava na minha frente.Fechando o caixa e contando tudo de novo.
Desço as escadas lindas da padaria no sonho: e só agora vi o prazer que sentia na época em estar descendo, pulando os degraus brancos com os meus chinelos velhos, cabelo espetado e camisa do Bloco do Boi.No final, não era tão ruim estar lá, ia pensando em como seria a próxima fase do Megamania no Atari.
É, bem ali, sorrindo, sempre olhava a Rua São Macário, aquela rua enorme/alta que ficava ao lado da padaria, onde descíamos de skate e os mais velhos no estilo skate-punk tinham o shape de Fernandinho Batman, onde brincávamos de Goonies e eu descia com a minha bicicleta azulzinha Caloi toda fudida e fechava os olhos: eu era o Watson/Sherlock do filme “Enigma da Pirâmide” a descer naquele cacareco pelos céus da minha infância.Nossa, eu fechava os olhos enquanto a bicicleta descia com tudo.Eu fechava os meus olhos quando fazia isso.Voava.
E nessa rua, lá no meu sonho, eu parava para olhar a descida e a vista que ela proporcionava.Surreal.
Lá longe, algo laranja caía na Vila e era tão forte aquele cometa caindo que logo fiquei surdo.Estourava como um rojão batendo no chão,soltava vento forte para todos os lados e ia espalhando fumaça para o alto como uma árvore alta em raízes superevoluídas; um cogumelo se erguia.Eu segurava o pão hipnotizado com o espetáculo,sem ouvir nada,vendo aquela coisa laranja jogar o vento com seu peso, a vista e o pôr-do-sol que se anunciava para os moleques recolherem as pipas e irem para casa tirar sua camisa encascorada de brincar.
E era lindo o fim do mundo lá na Vila com as pipas pelo ar.
Eu sonho com isso há tanto, tanto tempo que não sei dizer.É um sonho repetido, tranqüilo e igual em todos os detalhes.Eu sonho com isso antes de saber o que era um cogumelo atômico, a bomba atômica ou as razões para alguém inventar isso.Eu já devia ter visto filmes e imagens com a bomba, mas...
Eu devia ter uns 9 quando começou.A gente vivia mais, não era preso e vivia na rua, não via televisão dia inteiro ou ficava carregando o celular na bateria nessa idade.Sábado tinha luta livre: Gigantes do Ring!
Pensava na bomba atômica da minha infância no último dia do ano.Hoje.
Em como a espera é algo tranqüila e descompromissada, em como eu não tenho ansiedade pelo o dia e o ritual em si dessa passagem de ano.Nunca visto branco (coloco a camisa do Misfits),não pulo ondas e tenho sido aquele que é conhecido por fazer tudo ao contrário, aquele que veio do Mundo Bizarro; as pessoas dizem que te respeitam desse jeito como a Bridget Jones e que sou isso ou aquilo, mas cedo ou tarde a gente vira a piada numa mesa com gente chata e que não sabe beber, piada na cama de mulher que te amava com um cara- idiota-rindo-com-bafo-de-café-caro.Não há retrospectiva, só bombas e amigos; isso é parte integrante da nossa vida como as ilustrações das figurinhas nos álbuns que a gente tenta completar.
Esperamos as bombas no final de ano.Nos meus sonhos.Ela lá tranqüila.Os fogos hoje à noite com as únicas pessoas que me aturam todos esses anos e vice-versa.Pensarei em vocês todos, com certeza, mas não é por que é ano novo, mas por que eu sempre penso em todos que fizeram parte integrante da minha vida.Minhas figurinhas de álbum.Minha ficha de Pinball.A bomba tá lá no sonho até hoje.
O ano novo chega por aqui.
Quem sabe hoje à noite eu sonhe com a bomba e me assuste com aquele arrepio de criança que não tenho há tempos,hein?!Aquela coisa proibida de ver um filme de terror escondido da mãe ou brincar de esconde-esconde e uma garota linda te abraçar com medo de barata...
-É isso que significa a bomba no meu sonho, Holden Caulfield?Aquele arrepio?Nada apocalíptico?
Ah, as bombas atômicas da minha infância...

domingo, 21 de dezembro de 2008

filosofia de quadrinhos

Para que servem as palavras no papel?

Tímidas, raivosas, ou incompreendidas?O papel pode queimar, molhar, mas é mais fácil difícil acontecer isso para um papel do que para um ser humano.
Às vezes você tá lá se sentindo o fodão e (pum!) te dá um ataque cardíaco .Cê morre e a vida se encerra no meio de um espetáculo não muito popular com ingressos caros.Miguel Falabella dá risada de você na Broadway de seu teatro ruim.O papel, meu chapa, continua lá naquele caderno ensebado e empoeirado do teu quarto,da sua mochila que toma chuva e enruga as páginas: não sofre combustão espontânea ou dilúvio como desastre natural.O papel é mais forte que a gente e as palavras o deixam mais fodão que o próprio Thor.
É o Martelo com o seu nome que só você pode carregar.