quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

feliz natal,mr lawrence!(um exercício bobo de metalinguagem)


O maior presente de natal de Belmont foi a sua liberdade temporária.
Para um homem que despreza tal data, ele até que foi poupado de uma forma poética de tais constrangimentos e acabou ganhando sua carta de alforria num processo mais moral do que em favor de sua própria redenção e evolução pessoal.
Não pensem que ele pulou de alegrias na ocasião: numa hora quando chegava em casa após os primeiros minutos de sua suposta liberdade, levantou os braços e passou a mão nas folhas úmidas que ainda carregavam gotas de água de uma chuva triste e rápida de Gotham; como desejou que chovesse e isso não aconteceu, fez como os índios e bebeu das folhas e lavou o rosto.
Ele queria morrer como Willem Daffoe em "Platoon" com os braços para o céu vermelho e laranja tingido de napalm.
Ele queria beijar Apolonia antes daqueles braços alvos voarem para o céu numa curva sinuosa.
Mas nada disso aconteceu, amigo: ele, como David Bowie, ficou a maior parte do tempo com a cabeça enterrada na areia e quando a guerra acabou os seus torturadores lhe desejaram um "Feliz Natal".
E ele, confuso, não retrucou nada.
Se lembrou do passado e da rua alta que subia no caminho da escola só para ver o seu primeiro amor virar e olhar para algo que ele julgava ser a sua imagem.Pouco depois teve a chance de perguntar e ela lhe disse:
-É que cansa, eu paro pra respirar e olho em volta...
Não, não era para o jovem Belmont que ela olhava.Era o cansaço que produzia esse efeito nela e Belmont sorriu e pensou consigo bebendo a água limpa das folhas.
"estou cansado"
E no Natal pensou e descansou.E não porque era natal e sim porque um homem merece um dia de descanso e ele havia esquecido como era essa sensação.
Bebeu tantas cervejas sentado na garagem que seus olhos se perdiam em meio às humildes luzinhas que sua mãe comprara.Iluminavam a casa de um jeito desajeitado.A mãe dizia que o natal não era mais o mesmo e Belmont pensou num poema de Manuel Bandeira que sua linda professora de Literatura recitou na aula; e ele adorava Bandeira.
Pensou no mundo vasto, vasto mundo: talvez faria uma tattoo do Drummond na perna, daquela caricatura famosa do velho mineiro de Itabira.Encheria a perna de poetas.
E pensou coisas que não deveria pensar, mas sempre se pegava pensando.Deu de ombros como que dizendo para si mesmo "foda-se , não dá pra esquecer..." e lhe fazia bem pensar daquele jeito naquela coisa.Era humano.
O tempo passava de um jeito estranho para ele.
Ele se ocupava nas filas dos bancos arquitetando planos para um assalto perfeito: olhava as câmeras discretamente, ângulos e as posições dos guardas.Era um exercício para passar o tempo e pensava que era melhor do que perguntar a alguém da fila "se iria chover esta tarde".Teria se dado bem no mundo do crime e se contentava em pensar em histórias de crimes e em Bonnie & Clyde.
E as luzes se apagaram.
Ele não era livre .
Mas devo contar um segredo aos senhores: esboçou um sorriso torto à sua maneira pensando que estava despedido.
Desempregado.
Não sabíamos se a guerra continuava lá fora, só conhecíamos a prisão nos últimos meses.
Conversamos muito naquele tempo e jamais esquecerei aquele dia:
naquela terra, com o corpo enfiado inteiro na areia como tantas vezes esteve e aquele boné vermelho dos Yankees que não se separava da sua cabeça, eu o avistei.
disse a ele:
-belmont?sorrindo??
Ele disse:
-merry christmas, mr lawrence!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

foi nisso tudo que eu pensei enquanto enfiava a colher em você.

Engraçado...
Como daqui de noite desse ângulo a ponte do rio Tietê parece coisa de ficção científica: uma rampa alta que faz uma curva pra direita, outra embaixo do outro lado oposto, uns contrastes alaranjados sobre as luzes de postes que projetam amarelados disformes sobre os trabalhadores que aparecem como sombras rápidas da madrugada desse lado do rio.Coisa de "Metropolis ".
Eu pensei nisso lá naquela mesinha, com o bicho na minha cara, de frente pra essa aberração hipnótica...
As madrugadas do Butantã em que se atravessa a ponte sozinho são noites dignas de serem memoráveis: a lua no céu escuro de Gotham, aquele pântano escuro lá embaixo em que você olha e dá até para ver e ouvir as bolhinhas tóxicas estourando e a solidão que não te machuca.Você, sozinho lá o máximo que pode te acontecer é trombar um bando de malucos que sonharam com uma noite "horrorshow" bem laranja mecânica: não, não se corre pra trás, pra frente, nem a leste por que o pântano te espreita e a oeste os carros passam rápido com os ossos de cachorro ornamentados em seus párachoques vindo da Raposo.Ah, mas nem tenha medo.Nem pega nada se eles não sentirem cheiro de sangue.
Porque vale a pena passar pela ponte e ver a garota bêbada pixando uma frase apaixonada num muro da Corifeu e pisando na latinha de spray com raiva, linda, pouco se fudendo com enquadro.Ela escreveu que amava um cara."Que sorte esse cara tem", pensei.
Atravessar a ponte e lá em Pinheiros ir no Pão de Açúcar comprar Itaipava a 90 cents e encontrar uns irmãos que te ajudam nas moedas.
Existem coisas na noite que não se veem em altas velocidades, porque as coisas são mais rápidas ali em baixo, tem que estar no concreto, no limiar entre os mundos que a ponte separa e une.E existem tantas pontes entre as cidades, mas nenhuma é tão estranha como a do Tietê: é a nossa Stonehenge feia, suja e vergonhosa em que é o único monumento no mundo em que se pode cuspir catarro misturado com vinho; na verdade você é convidado a cuspir (deveria ter uma placa:cuspa nesse rio) e ver aquele som ir diminuindo e tentar enxergar onde foi parar.Mas nunca se escuta.E você pensa na vida acelerando os passos.
E eu cansado, consegui fazer a travessia sozinho mais uma vez e caralho, que satisfação dá na gente!E me lembrei, me lembrei da tendinha que sempre passava e nunca parava.Lá mesmo é que eu vou.Esse seria meu prêmio: tem que se comer às vezes, Belmont.
"Dogão do Carioca da Usp".Frango, sei lá quantas salsichas, provolone, queijo, molho-não-sei-o-que, batata palha, sei lá, vai:polenta, cuscuz, feijoada, uma caralhada de coisas.
Uma colher em cima.Se come o Dogão com uma colher e eu devia saber que detalhes como esses não são meros "enfeites", por que na verdade não dá para comer ele com as mãos, (pelo menos não com aquelas que os seus pais te deram), tem que ser com a colher mesmo .Eu digo isso porque eu tentei na forma "tradicional".
Caralho q ue monstro gorduroso, calórico, pesado e...Ducaralho de bom!
Não é delicioso, pra falar a verdade nem é bom, mas mata a fome e vai te diminuir um pouco a ressaca com uns goles d´água amanhã quando você estiver no trabalho pensando na morte da bezerra.
E eu ali olhando e ...
Bem...
Foi nisso tudo que eu pensava segurando o Dogão nas minhas mãos.
Quer dizer...
Com a colher.

domingo, 16 de dezembro de 2007

quando perderes o gosto humilde da tristeza



Quando perderes a gosto humilde da tristeza,
Quando nas horas melancólicas do dia,
Não ouvires mais os lábios da sombra
Murmurarem ao teu ouvido
As palavras de voluptuosa beleza
Ou de casta sabedoria;

Quando a tua tristeza não for mais que amargura,
Quando perderes todo estímulo e toda crença,
- A fé no bem e na virtude,
A confiança nos teus amigos e na tua amante,
Quando o próprio dia se te mudar em noite escura
De desconsolação e malquerença;

Quando, na agonia de tudo o que passa
Ante os olhos imóveis do infinito,
Na dor de ver murcharem as rosas,
E como as rosas tudo o que é belo e frágil,
Não sentires em teu ânimo aflito
Crescer a ânsia de vida como uma divina graça:

Quando tiveres inveja, quando o ciúme
Cristar os últimos lírios de tua alma desvirginada;
Quando em teus olhos áridos
Estancarem-se as fontes das suaves lágrimas
Em que se amorteceu o pecaminoso lume
De tua inquieta mocidade:

Então sorri pela última vez, tristemente,
A tudo o que outrora
Amaste. Sorri tristemente...
Sorri mansamente...em um sorriso pálido...pálido
Como o beijo religioso que puseste
Na fronte morta de tua mãe...Sobre a tua fronte morta...

Manuel Bandeira

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

informe:nova classificação

De acordo com o "TAZ-dicionário de bolso" do dipersona** esse blog foi classificado da seguinte forma:
"angus-belmont: veio de nao sei onde, faz nao sei o que, e escreve pra ninguem; acha que filme é historia em quadrinhos e vice-versa."

amém!!

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

era uma vez aquele blog, que por sua vez era mais um no mundo

Quem disse que seria desse jeito, amigo?
O que me importa agora nesse momento em que a minha mesa tá cheia de papelada e eu não encontro o que procuro?
Eu estou esperando o grand finale e é lógico que ele teria que ser dramático, não é mesmo?Uma contagem na lona, um soco bem dado: não será permitido o descanso e pode se sentir culpado por assistir Bleach essa noite.
Um calor amaldiçoado ensopa a minha camisa.
Quem foi o maldito escritor da Bíblia que associou o inferno ao calor?Pois é, o cara tava certo!Talvez existam coisas verdadeiras na Bíblia, Belmont!Viu?!Você até escreveu com letra maiúscula, né?!
Em toda Gotham mosquitos não nos deixam dormir, mas eu não ofereço resistência visto que essa noite amaldiçoada será eterna e daqui a pouco eu levanto que nem vampiro sem caixão e não foi nem mesmo uma porra de um pesadelo, pois quando se tem um você está dormindo.E eu não durmo, eu estou escrevendo, eu estou colocando uma porra de um pensamento patético numa tela em que todos supostamente podem acessar num endereço idiota chamado Angus Lost.Melhor correr, cachorrinho azul...
Mais um blog no mundo e ele se chama Angus Lost: dá pra achar fácil no google (mais ainda).
Um material inflamável na minha cabeça queima essas teclas como aquela noite e a certeza de que as coisas podem mudar são as mesmas daquela noite de força do parto e amor sincero, mas é um pressentimento muito enganador, eu creio.Disse uma vez para alguém que me perguntou por que eu era tão assim:
-Se você parar pra pensar, vai ver que às vezes faz sentido.
-Âhn!??
-É simples: se tem alguma coisa que você acha que pode dar merda e realmente dar merda no fim, não tem muito o que se fazer: a não ser sofrer como homem e colocar a viola no saco e você ainda tem o benefício de estar se treinando para a bosta que voar do ventilador e sentir o gosto do que te torturava; agora, se não der merda, será a melhor vitória porque você não esperava e será o oposto do que você esperava e você não sabe o gosto disso.
Ah, quem lê esse maldito blog se lembra do meu conceito de superfilosofia: ó mais um exemplo, aí!!Que pretensão evocar os leitores!Mas eu entendo que se escrevo isso aqui é porque se coloca a cara a tapa e às vezes queremos mostrar as marcas dos dedos e as cicatrizes na fuça.Eu é que não escrevo sobre flores num campo florido, eu quero a Rosa do Drummond nascendo no concreto, rachando o mundo no meio desse pântano que a gente vive.Eu quero tocar essa rosa um dia contigo e que ela viva para sempre e ela há de viver a gente sabe, né Baby?!Forever!!
Mais um blog no mundo, cara.E esse é um dos mais duvidosos: às vezes psicodélico, outras enfadonho com críticas de cinema, sci-fi erótico, poemas doentios e contos de paixão; bebuns e armas com seus matadores; eu já falei que não me importa, eu só gosto de escrever, falô?!
Ora, mas eu quero dizer que apesar de ainda não ter achado o maldito papel que tava aqui na mesa ontem, ainda tenho vontade de escrever besteiras nos campos verdejantes e realmente quero que se foda se estou na repescagem porque de moleza eu estou farto, meu chapa.Isso prova que eu realmente nasci para dar ou tomar muita porrada.E eu tô na vontade de dar, certo?Por mim, beleza!?Sò por mim dessa vez.Por tudo.Com um gole de vodka e o "lirismo dos bêbados".
Um grand finale.Dramático como você, Belmont.Luta que não acaba mais.
Eu sou Butch Cassidy e Sundance kid tomando bala com um sorriso.
Eu sou Takeshi Kitano deixando o dinheiro no balcão e sabendo que as balas virão.
E nem é pra tanto, por que se eu comecei eu vou até o fim, Chinaski.
Quem sabe um dia a gente não toma uns tragos, Chinaski.Eu até citei a bíblia hoje.
-É, mas agora você escreveu com letra minúscula!
É, eu sei.
E eu me orgulho disso: de saber apertar o Caps Lock na hora certa, na hora que se deve evidenciar o que se importa.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

cântico negro


Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide!
Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio