quarta-feira, 26 de dezembro de 2007

feliz natal,mr lawrence!(um exercício bobo de metalinguagem)


O maior presente de natal de Belmont foi a sua liberdade temporária.
Para um homem que despreza tal data, ele até que foi poupado de uma forma poética de tais constrangimentos e acabou ganhando sua carta de alforria num processo mais moral do que em favor de sua própria redenção e evolução pessoal.
Não pensem que ele pulou de alegrias na ocasião: numa hora quando chegava em casa após os primeiros minutos de sua suposta liberdade, levantou os braços e passou a mão nas folhas úmidas que ainda carregavam gotas de água de uma chuva triste e rápida de Gotham; como desejou que chovesse e isso não aconteceu, fez como os índios e bebeu das folhas e lavou o rosto.
Ele queria morrer como Willem Daffoe em "Platoon" com os braços para o céu vermelho e laranja tingido de napalm.
Ele queria beijar Apolonia antes daqueles braços alvos voarem para o céu numa curva sinuosa.
Mas nada disso aconteceu, amigo: ele, como David Bowie, ficou a maior parte do tempo com a cabeça enterrada na areia e quando a guerra acabou os seus torturadores lhe desejaram um "Feliz Natal".
E ele, confuso, não retrucou nada.
Se lembrou do passado e da rua alta que subia no caminho da escola só para ver o seu primeiro amor virar e olhar para algo que ele julgava ser a sua imagem.Pouco depois teve a chance de perguntar e ela lhe disse:
-É que cansa, eu paro pra respirar e olho em volta...
Não, não era para o jovem Belmont que ela olhava.Era o cansaço que produzia esse efeito nela e Belmont sorriu e pensou consigo bebendo a água limpa das folhas.
"estou cansado"
E no Natal pensou e descansou.E não porque era natal e sim porque um homem merece um dia de descanso e ele havia esquecido como era essa sensação.
Bebeu tantas cervejas sentado na garagem que seus olhos se perdiam em meio às humildes luzinhas que sua mãe comprara.Iluminavam a casa de um jeito desajeitado.A mãe dizia que o natal não era mais o mesmo e Belmont pensou num poema de Manuel Bandeira que sua linda professora de Literatura recitou na aula; e ele adorava Bandeira.
Pensou no mundo vasto, vasto mundo: talvez faria uma tattoo do Drummond na perna, daquela caricatura famosa do velho mineiro de Itabira.Encheria a perna de poetas.
E pensou coisas que não deveria pensar, mas sempre se pegava pensando.Deu de ombros como que dizendo para si mesmo "foda-se , não dá pra esquecer..." e lhe fazia bem pensar daquele jeito naquela coisa.Era humano.
O tempo passava de um jeito estranho para ele.
Ele se ocupava nas filas dos bancos arquitetando planos para um assalto perfeito: olhava as câmeras discretamente, ângulos e as posições dos guardas.Era um exercício para passar o tempo e pensava que era melhor do que perguntar a alguém da fila "se iria chover esta tarde".Teria se dado bem no mundo do crime e se contentava em pensar em histórias de crimes e em Bonnie & Clyde.
E as luzes se apagaram.
Ele não era livre .
Mas devo contar um segredo aos senhores: esboçou um sorriso torto à sua maneira pensando que estava despedido.
Desempregado.
Não sabíamos se a guerra continuava lá fora, só conhecíamos a prisão nos últimos meses.
Conversamos muito naquele tempo e jamais esquecerei aquele dia:
naquela terra, com o corpo enfiado inteiro na areia como tantas vezes esteve e aquele boné vermelho dos Yankees que não se separava da sua cabeça, eu o avistei.
disse a ele:
-belmont?sorrindo??
Ele disse:
-merry christmas, mr lawrence!

quinta-feira, 20 de dezembro de 2007

foi nisso tudo que eu pensei enquanto enfiava a colher em você.

Engraçado...
Como daqui de noite desse ângulo a ponte do rio Tietê parece coisa de ficção científica: uma rampa alta que faz uma curva pra direita, outra embaixo do outro lado oposto, uns contrastes alaranjados sobre as luzes de postes que projetam amarelados disformes sobre os trabalhadores que aparecem como sombras rápidas da madrugada desse lado do rio.Coisa de "Metropolis ".
Eu pensei nisso lá naquela mesinha, com o bicho na minha cara, de frente pra essa aberração hipnótica...
As madrugadas do Butantã em que se atravessa a ponte sozinho são noites dignas de serem memoráveis: a lua no céu escuro de Gotham, aquele pântano escuro lá embaixo em que você olha e dá até para ver e ouvir as bolhinhas tóxicas estourando e a solidão que não te machuca.Você, sozinho lá o máximo que pode te acontecer é trombar um bando de malucos que sonharam com uma noite "horrorshow" bem laranja mecânica: não, não se corre pra trás, pra frente, nem a leste por que o pântano te espreita e a oeste os carros passam rápido com os ossos de cachorro ornamentados em seus párachoques vindo da Raposo.Ah, mas nem tenha medo.Nem pega nada se eles não sentirem cheiro de sangue.
Porque vale a pena passar pela ponte e ver a garota bêbada pixando uma frase apaixonada num muro da Corifeu e pisando na latinha de spray com raiva, linda, pouco se fudendo com enquadro.Ela escreveu que amava um cara."Que sorte esse cara tem", pensei.
Atravessar a ponte e lá em Pinheiros ir no Pão de Açúcar comprar Itaipava a 90 cents e encontrar uns irmãos que te ajudam nas moedas.
Existem coisas na noite que não se veem em altas velocidades, porque as coisas são mais rápidas ali em baixo, tem que estar no concreto, no limiar entre os mundos que a ponte separa e une.E existem tantas pontes entre as cidades, mas nenhuma é tão estranha como a do Tietê: é a nossa Stonehenge feia, suja e vergonhosa em que é o único monumento no mundo em que se pode cuspir catarro misturado com vinho; na verdade você é convidado a cuspir (deveria ter uma placa:cuspa nesse rio) e ver aquele som ir diminuindo e tentar enxergar onde foi parar.Mas nunca se escuta.E você pensa na vida acelerando os passos.
E eu cansado, consegui fazer a travessia sozinho mais uma vez e caralho, que satisfação dá na gente!E me lembrei, me lembrei da tendinha que sempre passava e nunca parava.Lá mesmo é que eu vou.Esse seria meu prêmio: tem que se comer às vezes, Belmont.
"Dogão do Carioca da Usp".Frango, sei lá quantas salsichas, provolone, queijo, molho-não-sei-o-que, batata palha, sei lá, vai:polenta, cuscuz, feijoada, uma caralhada de coisas.
Uma colher em cima.Se come o Dogão com uma colher e eu devia saber que detalhes como esses não são meros "enfeites", por que na verdade não dá para comer ele com as mãos, (pelo menos não com aquelas que os seus pais te deram), tem que ser com a colher mesmo .Eu digo isso porque eu tentei na forma "tradicional".
Caralho q ue monstro gorduroso, calórico, pesado e...Ducaralho de bom!
Não é delicioso, pra falar a verdade nem é bom, mas mata a fome e vai te diminuir um pouco a ressaca com uns goles d´água amanhã quando você estiver no trabalho pensando na morte da bezerra.
E eu ali olhando e ...
Bem...
Foi nisso tudo que eu pensava segurando o Dogão nas minhas mãos.
Quer dizer...
Com a colher.

domingo, 16 de dezembro de 2007

quando perderes o gosto humilde da tristeza



Quando perderes a gosto humilde da tristeza,
Quando nas horas melancólicas do dia,
Não ouvires mais os lábios da sombra
Murmurarem ao teu ouvido
As palavras de voluptuosa beleza
Ou de casta sabedoria;

Quando a tua tristeza não for mais que amargura,
Quando perderes todo estímulo e toda crença,
- A fé no bem e na virtude,
A confiança nos teus amigos e na tua amante,
Quando o próprio dia se te mudar em noite escura
De desconsolação e malquerença;

Quando, na agonia de tudo o que passa
Ante os olhos imóveis do infinito,
Na dor de ver murcharem as rosas,
E como as rosas tudo o que é belo e frágil,
Não sentires em teu ânimo aflito
Crescer a ânsia de vida como uma divina graça:

Quando tiveres inveja, quando o ciúme
Cristar os últimos lírios de tua alma desvirginada;
Quando em teus olhos áridos
Estancarem-se as fontes das suaves lágrimas
Em que se amorteceu o pecaminoso lume
De tua inquieta mocidade:

Então sorri pela última vez, tristemente,
A tudo o que outrora
Amaste. Sorri tristemente...
Sorri mansamente...em um sorriso pálido...pálido
Como o beijo religioso que puseste
Na fronte morta de tua mãe...Sobre a tua fronte morta...

Manuel Bandeira

quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

informe:nova classificação

De acordo com o "TAZ-dicionário de bolso" do dipersona** esse blog foi classificado da seguinte forma:
"angus-belmont: veio de nao sei onde, faz nao sei o que, e escreve pra ninguem; acha que filme é historia em quadrinhos e vice-versa."

amém!!

terça-feira, 11 de dezembro de 2007

era uma vez aquele blog, que por sua vez era mais um no mundo

Quem disse que seria desse jeito, amigo?
O que me importa agora nesse momento em que a minha mesa tá cheia de papelada e eu não encontro o que procuro?
Eu estou esperando o grand finale e é lógico que ele teria que ser dramático, não é mesmo?Uma contagem na lona, um soco bem dado: não será permitido o descanso e pode se sentir culpado por assistir Bleach essa noite.
Um calor amaldiçoado ensopa a minha camisa.
Quem foi o maldito escritor da Bíblia que associou o inferno ao calor?Pois é, o cara tava certo!Talvez existam coisas verdadeiras na Bíblia, Belmont!Viu?!Você até escreveu com letra maiúscula, né?!
Em toda Gotham mosquitos não nos deixam dormir, mas eu não ofereço resistência visto que essa noite amaldiçoada será eterna e daqui a pouco eu levanto que nem vampiro sem caixão e não foi nem mesmo uma porra de um pesadelo, pois quando se tem um você está dormindo.E eu não durmo, eu estou escrevendo, eu estou colocando uma porra de um pensamento patético numa tela em que todos supostamente podem acessar num endereço idiota chamado Angus Lost.Melhor correr, cachorrinho azul...
Mais um blog no mundo e ele se chama Angus Lost: dá pra achar fácil no google (mais ainda).
Um material inflamável na minha cabeça queima essas teclas como aquela noite e a certeza de que as coisas podem mudar são as mesmas daquela noite de força do parto e amor sincero, mas é um pressentimento muito enganador, eu creio.Disse uma vez para alguém que me perguntou por que eu era tão assim:
-Se você parar pra pensar, vai ver que às vezes faz sentido.
-Âhn!??
-É simples: se tem alguma coisa que você acha que pode dar merda e realmente dar merda no fim, não tem muito o que se fazer: a não ser sofrer como homem e colocar a viola no saco e você ainda tem o benefício de estar se treinando para a bosta que voar do ventilador e sentir o gosto do que te torturava; agora, se não der merda, será a melhor vitória porque você não esperava e será o oposto do que você esperava e você não sabe o gosto disso.
Ah, quem lê esse maldito blog se lembra do meu conceito de superfilosofia: ó mais um exemplo, aí!!Que pretensão evocar os leitores!Mas eu entendo que se escrevo isso aqui é porque se coloca a cara a tapa e às vezes queremos mostrar as marcas dos dedos e as cicatrizes na fuça.Eu é que não escrevo sobre flores num campo florido, eu quero a Rosa do Drummond nascendo no concreto, rachando o mundo no meio desse pântano que a gente vive.Eu quero tocar essa rosa um dia contigo e que ela viva para sempre e ela há de viver a gente sabe, né Baby?!Forever!!
Mais um blog no mundo, cara.E esse é um dos mais duvidosos: às vezes psicodélico, outras enfadonho com críticas de cinema, sci-fi erótico, poemas doentios e contos de paixão; bebuns e armas com seus matadores; eu já falei que não me importa, eu só gosto de escrever, falô?!
Ora, mas eu quero dizer que apesar de ainda não ter achado o maldito papel que tava aqui na mesa ontem, ainda tenho vontade de escrever besteiras nos campos verdejantes e realmente quero que se foda se estou na repescagem porque de moleza eu estou farto, meu chapa.Isso prova que eu realmente nasci para dar ou tomar muita porrada.E eu tô na vontade de dar, certo?Por mim, beleza!?Sò por mim dessa vez.Por tudo.Com um gole de vodka e o "lirismo dos bêbados".
Um grand finale.Dramático como você, Belmont.Luta que não acaba mais.
Eu sou Butch Cassidy e Sundance kid tomando bala com um sorriso.
Eu sou Takeshi Kitano deixando o dinheiro no balcão e sabendo que as balas virão.
E nem é pra tanto, por que se eu comecei eu vou até o fim, Chinaski.
Quem sabe um dia a gente não toma uns tragos, Chinaski.Eu até citei a bíblia hoje.
-É, mas agora você escreveu com letra minúscula!
É, eu sei.
E eu me orgulho disso: de saber apertar o Caps Lock na hora certa, na hora que se deve evidenciar o que se importa.

segunda-feira, 3 de dezembro de 2007

cântico negro


Vem por aqui" — dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...

A minha glória é esta:
Criar desumanidades!
Não acompanhar ninguém.
— Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe

Não, não vou por aí! Só vou por onde
Me levam meus próprios passos...

Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?

Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...

Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,
E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.

Como, pois, sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...

Ide!
Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tetos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...

Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém!
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.

Ah, que ninguém me dê piedosas intenções,
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou,
É uma onda que se alevantou,
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
Sei que não vou por aí!

José Régio

quarta-feira, 28 de novembro de 2007

golpe do baú

desisto, desisto...
essas palavras e números que necessito,
não me criam o interesse ou apelam para a minha fome
mas necessito delas.
tem horas que me canso de ser robô:
estenógrafo de coisas que ouço, mas não entendo.

vou dormir,
comer dois cheetos,
darei tiros em placas de trânsito.
eis meu nome na lista e duas situações:
estarei pelos campos verdejantes a escrever idiotices em praças?
estarei a olhar pelo vidro enorme como cachorro triste,
esperando destinatários,
vestido de vermelho,
vendo os carros passarem?

falta-me pouco,
desista,
desista de ouvir sons que não fazem barulho,
desista de ser idiota e abrace os números,
um impasse, encruzilhada.
grande bosta ser alguém na vida;
só queria seguir a estrada e ver o que tem atrás das placas,
números e letras eu odeio vocês e digo que me importo no orkut...
serei um canalha completo nesse romance.

fingirei que tenho amor
que fico de pau duro
mas depois os descartarei quando meu nome estiver lá.
escolherei minhas próprias letrinhas
números,
nas sopas dos trapalhões;
tocarei minha viola na estrada sorrindo como o capeta,
largarei vocês na estrada da decepção
ouvindo bruno e marrone na sua mais vulgar banalização do amor,
sofrerão
malditas letras e números que não escolhi.

sexta-feira, 16 de novembro de 2007

rolem os dados enquanto a cidade dorme .

Era a mesma coisa todos os dias de manhã: quando estava em frente ao portão de casa após fechá-lo com cuidado e (devido ao TOC) bater no portão e certificar umas dez vezes que ele estava fechado, eu escolhia a mesma música no mp3 operando essa máquininha que eu adoro com apenas dois dedos e indo para a pasta do Dropkick Murphys.Escolhendo a música sobre Micky.
"Alguma coisa de boxeador tinha que existir na minha alma", deveria me espelhar em Micky-eu pensava descendo a Raposo engolindo fumaça preta dos caminhões e correndo para não perder a primeira aula: aquilo foi uma luta diária e mesmo sabendo que eu poderia tomar um gancho e não acordar nunca mais pra estar no ring, eu ingênuamente confiava no meu boxe amador das ruas de Gotham e achava que mesmo sendo um veterano como outro velho irlandês chamado Jim Braddock, tinha um último truque a mostrar no ring.
Nada demais: se você vai, vai até o fim, maluco e aguente o tranco.
Don´t even start.
"A única coisa que você pode concluir sobre um velho é que ele é um sobrevivente."-James Caan, soberbo num dos filmes mais subestimados dos últimos tempos.
Mas eu não era um sobrevivente, eu era só um cara que se ateu as coisas que lhe davam tesão na hora certa e naquela hora, parecia certo voltar aos tablados.Essa coisa é chamada de superfilosofia de acordo com o filme "Gênio indomável" e se você assistir verá que necessariamente não é uma coisa boa, mas é o que tenho...
Às vezes a carcaça etílica confundia os movimentos, retardava os reflexos de manhã e bêbado ou com ressaca um boxer não luta bem, mas eu não estava só no ring (algumas vezes pensei que estava e isso é estúpido) e não me importava certas coisas como se eu era o único bebendo a minha cerveja sozinho nos botecos da vida ou escrevendo no meu caderninho "melinda e melinda" poesias estúpidas ora para mim, ora para pessoas que nunca verão essas letras; eu constatava e não podia se fazer muito sobre isso, me sentia durão e isso calejava a minha carne pra porrada e pensava que poucos fazem isso hoje em dia, era o meu treinamento.Há exatos seis anos atrás era assim e apesar de ter sido um período duro, aprendi a dar uns jabzinhos tortos nessas madrugadas.Fácil é ter companhia todas as horas da sua vida e se sentir durão e invencível quando te dizem que você é.Difícil é não ter ninguém todas as horas, viver no buraco escuro dos bares e do seu quarto com pensamentos, com palavras moendo a sua cabeça, com palavras cortantes num teco de papel, quebrar a mão e precisar do boxe e ainda ter um motivo pra levar porrada na cara; pega uma senha e entra na fila se puder, bonitão, mas eu te aviso que aqui o bagulho é mais embaixo, a luta é pesada, falô:nem comece se não aguenta.
-Agora, Belmont, a luta tá perto, né?!Eu vejo você com essa expressão esquisita e não me vem de novo com aquela frase da Clarice Lispector!
Não, não venho não, cara.Só gosto da frase e não sou nenhum dos três.
Ah, lembre-se dele: o velho lutador com o trevo irlandês na camisa e de boina preta quando ele estiver no ring, ele ouviu "street fighting man" dos Stones no caminho para a luta e cantarolou o refrão com um sorriso torto na boca, tomou um café da manhã moderado como todos disseram que tinha de ser, comprou uma barrinha e uma garrafinha de água, não leu o livro do Lair Ribeiro sobre como ganhar essa parada e ele nunca foi um poço de serenidade ou auto-confiança, ele tem medo, ele era só um lutador que se agarrou à única coisa que só dependia dele para manter a pouca sanidade que restava e do quanto poderia bater e levantar a guarda na hora certa.
Eu não sei de mais nada .
"Eu deveria me espelhar em Micky"-eu penso, penso, mas não sei se possuo essa aura dele ou do velho Cinderella Man, caralho, eles eram fortes pra caralho...
Você ouve conselhos e sonhos sobre o dia da luta, as pessoas depositam a confiança em você e por um certo momento você passa pelo "complexo de super-herói-atormentado eles depositaram a confiança em mim, OH", mas eles se somam aos vários coadjuvantes dessa cidadezinha cenográfica e todos eles tem o seu rosto estúpido, Belmont.
Merda.Eu tenho medo.Tenho mesmo, homem não tem medo e não chora o caralho, maluco.
Merda.Eu tenho raiva.Tenho mesmo, como o Velho Hurricane que poderia ser o Campeão do mundo, ele era foda .Canta, Dylan, canta.
A todos os boxers do mundo, os de rua, os de academia de fundo de quintal, aos que lutam na academia embaixo do Viaduto do Café no Bixiga, aos fudidos miseráveis que encontram forças para brigar por coisas intangíveis, aos que roubam rosas para dar a quem se ama e que brigam por amores em seus corações vagabundos, aos que morrem de fome nas ruas e são os homens de bem desse mundo como diria Chinaski que brigou em "Barfly" com aquele barman idiota("He symbolizes everything that disgusts me. Obviousness. Unoriginal macho energy. Ladies man..." ), a todos vocês meus irmãos, pois não há lugar para nós, os lutadores de rua quando a cidade dorme.
Eu vou pra porrada em breve e nem vai passar na HBO.Nem quero.Foda-se.
Lembre-se dele, só isso .
"Mickyyyyyyyyyyyyy!!"

"roll the dice"

if you’re going to try, go all the
way.
otherwise, don’t even start.

if you’re going to try, go all the
way.
this could mean losing girlfriends,
wives, relatives, jobs and
maybe your mind.

go all the way.
it could mean not eating for 3 or 4 days.
it could mean freezing on a
park bench.
it could mean jail,
it could mean derision,
mockery,
isolation.
isolation is the gift,
all the others are a test of your
endurance, of
how much you really want to
do it.
and you’ll do it
despite rejection and the worst odds
and it will be better than
anything else you can imagine.

if you’re going to try,
go all the way.
there is no other feeling like
that.
you will be alone with the gods
and the nights will flame with
fire.

do it, do it, do it.
do it.

all the way
all the way.

you will ride life straight to
perfect laughter, its the only good fight
there is.

Charles Bukowski

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

i made a mistake.

I reached up into the top of the closet
and took out a pair of blue panties
and showed them to her and
asked "are these yours?"

and she looked and said,
"no, those belong to a dog."

she left after that and I haven't seen
her since. she's not at her place.
I keep going there, leaving notes stuck
into the door. I go back and the notes
are still there. I take the Maltese cross
cut it down from my car mirror, tie it
to her doorknob with a shoelace, leave
a book of poems.
when I go back the next night everything
is still there.

I keep searching the streets for that
blood-wine battleship she drives
with a weak battery, and the doors
hanging from broken hinges.

I drive around the streets
an inch away from weeping,
ashamed of my sentimentality and
possible love.

a confused old man driving in the rain
wondering where the good luck
went.

CHARLES BUKOWSKI

domingo, 30 de setembro de 2007

paris,marcelle e chacal.

-Bom dia!-disse o porteiro da espelunca.Adeus lugar medíocre.
"Você está indo bem, ninguém sabe o que aconteceu na noite passada e não há vestígios do trabalho, muito bem feito por sinal.Ontem, nem a manchinha vermelha na sua Ralph Lauren na gola atrapalhou, deve ter parecido batom pro porteiro."
Vivia dizendo isso pra mim mesmo saindo de um motel e dirigindo para um outro, a diferença é que esse era mais caro: com água quente, Sexyhot e toalhas limpas.Estacionamento.Não, não vi nenhum New beetle vermelho.Peraí.Portão abrindo.New Beetle?Sim.Vermelho ?Deve ser: quem mais tem esse carro que antes era sinônimo de pobre e agora é cool por que é de rico?
E ela tem dinheiro.Dona de uma agência de turismo, família gringa.
Vendo aquele carro descendo a rampa me lembrei da nossa primeira tarde.Vendo aquele carro descendo me perguntava porque as sensações se repetem, como se você rezasse para ter o zap na mão e ouvir alguém pedir truco como daquela vez, como em diversas vezes vi em mesas de jogo onde se puxam facas .
Nessa vida é mais difícil tirar um zap que na mesa.O carro descendo.Aquela tarde.
-Porque França?-perguntou curiosa e parecia até bonita sob a penumbra do quarto 26, deitada nua na cama e natural.
-Acho bonito.-disse passando a mão nas suas coxas lindas.Precisava ser mais profundo?
Ela fumou o baseado.As coxas me intrigavam.
Olhei para ela.Eu não gostava de fazer perguntas, dividir.Saiu sem mais nem menos.
-Você já viu o Dia Do Chacal?
-Já, eu acho o Bruce Willis um tesão .-disse com um ar de embriagada ,divertida.
-Não, essa versão é uma bosta comparada a uma das antigas dos anos 70.Quero ir para a França desde que vi esse filme.
Ela me deu um beijo na boca aquela tarde, segurando o meu queixo logo depois que disse isso.De supetão.Caloroso.
Eu me assustei.
-Promete que quando estiver lá vai na passar na Place du Tertre?Por mim?-sorria passando a mão no meu queixo.
-Para quê?Que tem nesse lugar?
-Pede para fazerem um retrato de você!Já deve ter visto em filmes um francesinho pintando alguém numa praça, então, é nesse lugar!!
Fiquei em silêncio.Coxas bonitas, as melhores.Sorriso: uns dentes branquinhos.
Um segundo.Quarto 26.
-Aposto que deve ser o lugar mais idiota para se estar: lugar de turista, comum, que os franceses-função ficam esperando gringos idiotas para assaltar.-olhei para o rosto dela, parecia bonita de lado .
Ela continuou sorrindo.Um amargo leve escorreu pelo cantinho dos lábios, brilhava.Deu mais um pega no baseado.Continuou sorrindo, triste.
Silêncio.Olhou bem nos meus olhos.Doía o sorriso.
-Sabe, meu pai morreu quando eu tinha 7 anos.Ele era admirador de um pintor chamado Pablo Picasso, nome tão famoso que até mesmo o ser humano um pouco menos ignorante que você já deve ter ouvido falar, nem que fosse numa citação de filme qualquer na Sessão da Tarde...
Pausa .Um segundo.Ela tem olhos verdes, não tinha reparado.Continuou.
-A lembrança mais linda da minha vida é dele deitado na rede tirando a siesta: eu adorava olhar para ele dormindo, ele tinha o cabelo bem branquinho que parecia algodão de tão macio que era! E eu passava a mão na cabeça dele quando dormia sempre todos os dias com um livro de arte do Picasso na barriga.Ele morreu nessa rede uma tarde, quietinho e com o livro, só que dessa vez não estava na barriga, era como ele estivesse dormindo abraçado com o livro sabe?Como se aquilo fosse...
Fez o gesto, cruzando os braços por entre os seios que eram lindos e eu não havia reparado.Olhou para cima balançando a cabeça, como se estivese reclamando para algum deus nessa terra esquecida que a escutaria de um quarto de motel.Ela tem pintinhas pelo corpo.Pintinhas nos seios.Sardas.
-E eu cresci com esse livro paralá e pracá, eu tenho esse livro até hoje e aprendi francês só para ler os comentários sobre as pinturas maravilhosas dele.Aos doze anos descobri que meu nome, Marcelle Eva, era de uma mulher que Picasso amou muito e morreu muito nova, o nome dela era Marcelle Humbert e ele a chamava de Eva!Cada mulher que ele amava influenciava na sua pintura, ele escrevia que a amava nas pinturas.E o meu pai me batizou por amor a esse homem e a mulher que o inspirava.Ele era espanhol como nós e quando chegou a França, esse lugar que você quer tanto conhecer, ele era muito pobre e vivia perambulando por Paris e vivia nesse lugar, Place du Tertre, que você diz ser um lugar idiota, vazio e sem sentido ...Mas será que você consegue ter uma idéia, ainda que primitiva de sentimento baixo desse cafajeste que você é, do quanto esse lugar é importante para mim ?
Olhos lindos, úmidos.Brilhantes .
-E quando eu te digo que quero que você passe nesse lugar por mim, é porque é uma coisa que foi importante para mim e quero compartilhar contigo; é porque penso no meu pai e penso em Picasso que amava Eva.Estar lá, seu merda, é estar perto do meu pai e das lembranças que inspiravam o sono dele naquela rede, adormecia com aquelas imagens e eu sinto isso lá.Sinto a minha mão enorme acariciando o céu de Paris, onde estavam os sonhos dele.E eu estava lá: pensando nele! Você já fez isso por alguém??Já se inspirou por algo que não fosse matar e trepar??Já deu nome de amor a alguma mulher ou uma filha???
Ela me olhava com raiva e pela primeira vez na vida pensei em algo diferente.Algo que eu pudesse tocar.Podia ser ela.Mas o que eu pensava naqueles milésimos de segundos, estranhamente não foram as palavras que saíram pela minha boca.Eu balancei a cabeça negativamente e disse.Disse baixo.Instintivo como pegar na Sigma.
-Eu sou matador mesmo, já matei um monte de gente e você é tão boa e inteligente: fala francês e o caralho... Mas me contratou pra apagar um safado da face da terra com crueldade e maldade no coração.Quem precisa de quem?Cadê a sua nobreza e sentimentos,hein!?
O rosto dela murchou.
-E a próxima vez que você falar alto que eu mato, eu te encho a cara de porrada e quebro todos os dentes da sua boca, sua puta.
Ela se levantou chorando e colocou o seu vestido preto com pressa, toda descordenada e tropeçando ao colocar o salto alto.A cachoeira de lágrimas despencava por entre os seus olhos pintados e era como se estivesse com uma máscara que vi num filme francês quando pequeno.Meu pai me levava para ver filmes franceses nos cinemas do centro velho, e eu não queria que ela soubesse isso naquela máscara.Dividir.Ela estava...
Passou a mão aberta para enxugar as lágrimas e manchou mais ainda o rosto.Palavras rápidas.
-Só agora reparei o porque do seu apelido idiota de Chacal...Patético!Quando o Nogueira me disse , achei que era algo satânico, sei lá.Já está na conta a primeira, seu merda.Semana que vem quero pronto.Mesmo lugar e hora.
Bateu a porta.
Eu olhei para a bunda dela se afastando até a porta naquele vestido.Esse negócio de olhar bundas tem muito a ver com mulheres indo embora da sua vida e até os caras de obra que mexem com elas dizendo gracinhas inúteis sabem que elas estão indo pra algum lugar longe de suas vidinhas ridículas com cantadas esdrúxulas.O pior é que ela não estava na rua e eu não era pião de obra.Eu só a olhava, aquela bunda.Indo embora, como sempre foi.Ela se afastou e eu olhei para aquela bunda indo em câmera lenta, sem dizer gracinhas na minha vida uma vez sequer, só vendo a distância entre nós.Aposto que as mulheres nunca pensaram que alguns olham desse jeito.
E lá estava o New Beetle vermelho de sangue descendo a rampa de novo como naquela tarde em que me beijou de verdade.Se aproximando.Ela com um sorrisão de canto a canto da boca.Estranho.Recebeu e-mail e deve ter se informado .Tava informada, com certeza.Queria trepar.Eu também.
Mancha na gola não me preocupava mais.Eu ia embora.
-Tá elegante, hein?-disse colocando a cabeça pra fora da janela do carro enquanto se aproximava da vaga próxima ao meu Opala Deluxe preto, 4.1 1977.
-É a minha despedida.- eu disse de um jeito seco e quase cruel.
Subimos as escadas sem falar nada.Nem olhamos um pro outro.Eu coloquei a chave enorme com uma placa com número 26 e rodei na fechadura.Empurrei a porta e a deixei passar por mim e eu olhei para o seu corpo, suas coxas e sua bunda apertada num vestido preto se afastando de mim e eu não queria isso.Bati a porta com força e pulei em cima dela beijando e mordendo a sua nuca até cair em cima dela na cama.Trepamos como se o mundo fosse pequeno.
Cigarro.
-Ele sofreu?
Nem olhei pra ela, não gosto de olhar quando fazem uma pergunta dessas, me basta o som das palavras.
-Sim, pra caralho.Quer ouvir?
-Claro que quero.-disse bem baixo e triste.
Eu parei para pensar.
Acabei fazendo essa pergunta idiota.Algo estava estranho naquele quarto: as palavras saíam diferente do que eu planejava, eram geralmente perguntas e eu não gosto de perguntas.Não gosto de dividir e não queria respostas; não quis daquela vez olhando para aquele pobre coitado de cabeça grisalha amordaçado num poste que eu espanquei num terreno em Cotia, quebrando os seus ossos com meus jabs e hooks como na velha Academia do Geninho na Boa Vista.Eu não dividi nada com ele: nem mesmo olhava para seus olhos úmidos, não queria saber se tinha filhos, se era bom pai ou o caralho; a minha clemência não tinha nada a ver com julgamentos morais por que eu simplesmente não questionava e ele foi o primeiro que eu matei por dinheiro.Eu o socava como os sacos na academia e ouvia Geninho gritando engraçado "Uqui,Uqui", gritando que eu era fraco e levantava a guarda.Eu não fazia muitas perguntas filosóficas, não queria dividir.Mas acabei dividindo com ela essa.
-Quem era o cara?Desisto.Ninguém conseguiu nada para mim e olha que tenho contatos de respeito.Eu sei quem ele é, mas nenhuma ligação com você.
O rosto era uma máscara.Me olhava petrificada.
-Se não quer falar foda-se, mas me diz o porque.-saiu sem mais nem menos,acho que parecia uma pergunta.
Ela deu um sorriso amargo e forçado.Jogou fumaça na minha cara .
-Vai se fuder, seu filho da puta.-disse devagar e frio como se enfiasse uma faca de vendetta.
Levantou e saiu em direção ao banheiro.Bateu a porta com raiva.Levava a bolsa.
A gente nem pensa, é reflexo: peguei minha Smith Sigma 9mm e ainda tive tempo de ver que tinha uma mancha de cola nela.Passei a unha e tirei a marca.Me lembrei até da història do uruguaio que me deu ela de presente.Isso me irrita.Deu tempo.Saiu.
Mexia na bolsa furiosamente.
-Fica calminha, sua vadia.Eu quero ir embora e você também.O trabalho já está feito, não vem me sacanear não, viu?
Ela tinha a mão na bolsa.Dedo.Trava solta.
-Solta essa porra!
Seria fácil matá-la.Eu miro na cabeça e chego a pensar que é desnecessário, talvez no ombro.Um puta barulhão ducaralho iria fazer ( sem o silenciador).França tava perto.
Largou a bolsa.Um monte de tranqueira se espalhou pelo chão: batom, pente, doce, colares e carteiras.
Ficou com os braços tremendo e chorando em desespero olhando para mim.Fechou os olhos .Baixou a cabeça.Um choro triste, bem grave como se fosse um garoto chorando por uma coisa tola numa padaria, mas não; ela era um mulher linda de cabelo loiro todo encaracolado e com o corpo mais lindo que eu já vi desde a adolescência, eu sonhava com aquela imagem desde os recortes de mulheres que eu folheava escondido do meu pai em revistas amareladas .E eu apontava uma arma para a cabeça dela enquanto pensava tudo isso que eu não sabia o que significava.
Travei a Sigma e a deixei deslizar pelo indicador.Caiu na cama.
Ela chorava.Apertava os braços pelo corpo.Como o pai que morreu na rede sonhando com obras de arte de Picasso.Pintas pelo corpo.Olhos verdes.Coxas grossas.Num abraço imaginário em homenagem a todas as coisas que foram arte na sua vida.
Quente.Muito quente.E eu não havia sentido isso quando trepávamos.
Nós dois, nus .Eu segurei os dois braços dela que tremiam fechando-se sobre os seios com frio de choro e abri com força.Coloquei-os em volta dos meus ombros.Coloquei a minha testa na dela. Soltei os meus braços que não a abraçavam e caiam mortos esperando algo acontecer, nem que fosse ela tirar uma faca escondida dos seus cabelos encaracolados e enfiar na minha nuca.Eu esperei que isso acontecesse.Seria perfeito.Esqueci arma, onde estavam suas mãos ou se haviam barulhos suspeitos.Esqueci um monte de coisas.
Foi a pergunta mais complexa que fiz para mim mesmo.
O corpo dela me acolheu.Eu não sabia como abraçar.
E eu olhava em volta e via homens pintando um retrato nosso com traços estranhos aquelas duas figuras peladas no meio da Place du Tertre.Me faziam forte, musculoso, com braços enormes e desproporcionais, a cabeça era pequena como num quadro que vi quando pequeno de uns homens negros carregando café.Ela, Marcelle Eva, era magra toda misturada com quadrados, olhos e cabelos: era como se estivesse num mural da aula de educação artística do primário com guache e dedos, um desenho de criança.E era linda, a pintura.Eu a via.Sentia.
Ela me abraçava.Não tremia mais.
-Vou pedir um retrato sim.
Ela me beijou na boca.Não dissemos mais nada.Não precisava.
O que era certo?Eu quebrar costelas na pancada, dar tiros em têmporas e tirar vidas que são ou não, bons homens?O que era errado?Alguém me ordenar, me pagar e querer ser uma boa pessoa nesse mundo?Não éramos boas pessoas, nem nunca seríamos.
Tampouco sabia se mataria mais por dinheiro ou não, na França ou na puta que pariu.
Estávamos ali, no quarto 26 e nada mais importava.
Se eu era um assassino cafajeste e sem coração que só sabe trepar e querer dinheiro ou ela uma puta rica, ressentida e amarga com seus sentimentos em briga como num ringue, não fazia mais diferença.Éramos duas almas que fizeram as piores e as melhores coisas para estarem ali naquele momento.
Chovia lá fora uma garoinha.Céu cinza de Gotham.
Com armas apontadas: o que sei fazer melhor.
Com choro amargo, medo e confusão: essa era a Marcelle.
Antes de ir eu fiz a coisa que me daria mais saudade do Brasil: fui a feira e pedi uma garapa e um pastel de queijo.Aquilo foi divino.
-O chorinho, senhor.-me disse uma garota sorridente com um símbolo do Corinthians bordado no avental despejando mais garapa com abacaxi no meu copo de plástico branco.
Bebi .Pensei em Marcelle.
Três horas depois estava vendo o mundo pequeno pela janela do avião.Gosto de garapa na boca...
Nos abraçamos em pé e deitamos na cama naquela tarde .Eu beijava a sua bochecha.Agarrados.Colher.Dormimos.Ela não estava quando acordei.
O Brasil olhando para a minha bunda, se afastando ...
Eu, com um mini-dicionário francês-português aprendendo a pedir "um desenho" e um "por favor" .
Adormecendo com o livrinho na barriga.Uma mão enorme descendo na Place du Tertre.

segunda-feira, 17 de setembro de 2007

tem vodka na casa de jesus?

Velhos irlandeses gritando comigo pelo mp3 na Doutor Arnaldo, em frente ao Araçá às onze da noite:
"They wanna have me here

Have me and hold me near
Hold me down fasten and tie
But the cars are all flashing me
Bright lights are passing me
I feel life passing me by"

E eu ali, gritando a letra e nem me dando conta: como aquele garoto do "About a boy" quando ganha um discman, sozinho no ponto a caminho de casa...
Sentado na barra dos bancos do ponto do busão e vendo aquelas luzes dos carros cegando os seus olhos há muito tempo, uma sensação velha e a expressão entediada esperando algo que você sabe que vem mas não sabe quando, em forma de placas de ônibus que estão distantes e aos poucos vão formando um nome que você nem sabe onde é.Mas naquele momento eu cheguei a sorrir e cantarolar, pois era perfeito gritar a letra enquanto os carros passavam apressados: um caso de sincronia incomum entre velhos punks irlandeses; uma música perfeita na hora certa quase como naquelas vezes que você goza junto com a garota que você ama, aquele aperto forte e mãos entrelaçadas como se fossemos petrificar ali para sempre numa escultura de cobras com as presas sangrando umas nas outras, com aquela sensação indescritível dizendo aquelas palavras...
Um carro passou a milhão com o som no talo, aquele "Nóis trupica mas não cai":
-Aê ,xarope !Vai demorar hein?!
FUU-FUUUUMM-buzina.
Uma risada de hiena geral dentro do carro, naquela velocidade não deu tempo de pensar e nem de ver um cara do meu lado gritando:
-Morram na esquina que o Cemitério já tá aqui ó, seus merdas!
Um sujeito saído diretamente daquele universo paralelo das pornochanchadas dos anos 70 e incrivelmente parecido com o Paulo César Pereio: vestia um terno todo fudido e uns óculos escuros emendados com esparadrapo.Gritava com uma puta voz de manguaça essa frase imortal.
-Bando de babaca ducaralho,né patrício?
-É, podecrê.Eu no meu íntimo faço um esforço psíquico para que eles vão para o céu dos peões.
-Peões?Esse bando de chupa-teta de mamãe?Eles se dizem cowboys, patrício!Cowboys!-deu um puta grito balançando a cabeça negativamente com raiva.
"Caralho, é ele mesmo?!Será??"
Puta doença de retardado que eu tenho: dificuldade de reconhecer rostos e coisas óbvias.Coisa de TOC mesmo.Deixa a gente louco.
-Eles lá conhecem Alvarenga e Ranchinho?Tião Carreiro e Pardinho?Tonico e Tinoco?Cornélio Pires?
Nem eu conhecia essa porra de Cornélio Pires; só depois pesquisei e descobri que simplesmente foi o criador da música caipira.Respeito.
-Acho que não.Você viu o adesivo no carro?
-Eu sou praticamente cego, poorraa!Não vê não?
Eu me senti idiota .
-Vai um whisky aí?!
Eu ia responder sobre o adesivo, mas ele sacou do seu paletó uma daquelas garrafinhas de metal prateadas de bêbado profissional e eu fiquei embasbacado e hipnotizado: é um dos brinquedos que sempre quis ter nessa vida (esse e aquele maldito robô Ar-tur que tinha o meu nome e eu nunca tive...), e a dele era muito foda: brilhava muito como um Graal dos pinguços contra as luzes da noite de Gotham, só que era de prata.
-Tem copo aí ?
-Não, mas tenho uma garrafinha de água mineral.Peraí.-comecei a fuçar a mochila.
-Deixa eu descansar minha pobre carcaça etílica.
Sentou do meu lado .Uma figuraça difícíl: empurrava com o indicador direito os óculos escuros remendados que pendiam quando se inclinava para falar numa voz grave para caralho e fazia aquela cara de dor característica que a gente vê nos que bebem honestamente pela noite; o cara era gente boa.Gostei dele .
-Puta mochila fudida, patrício!Achou no lixo essa poorrraa???
Eu rachei o bico .
-Eu tinha uma que usei por dez anos, ela se chamava "Trapz" porque parecia um trapo gigante, hehe.
Ele não deu uma risada: apertou o óculos e fez uma cara feia.
Apontou para o meu Graal e disse:
-Sabe o que é isso?(Nem esperou minha resposta)Johnnie Walker Gold label.Sabe quantos anos tem essa porra?
-18!!-se caísse no vestibular...
Fez um gesto apontando os indicadores para mim uma três vezes, como que dizendo:"Seu viadinho, não era pra responder!".Depois levantou a garrafinha e apontou com o indicador direito dizendo baixinho:
-Já tomou?
-Não, caralho!!
-Nem eu!E olha que eu já tomei até aguinha de lixo numa aposta, sabe aquelas que ficam acumuladas no saco preto do danado?Peraí: toma um pouco e seja abençoado, meu filho.
Rachei o bico tremendo enquanto ele despejava uma bela quantidade na minha garrafa toda amassada.
-Sabe onde eu tomei e roubei essa poorraa?
Dei de ombros como nas caricaturas .
Se inclinou e disse no meu ouvido:
-Na festa de Jesus.Uma casa.
Eu balancei a cabeça afirmativamente como se aquilo fizesse o maior sentido(até cocei o queixo e olhei para o céu escuro), mas na verdade o que eu queria dizer era que ele tava mais bêbado que um gambá e aquilo não fazia o menor sentido para mim, como aquela letra da música "Vermelho","vermelhou no curral "da Fafá de Belém: uma vez um cara me disse que era sobre o comunismo e eu rachei o bico sarcasticamente como a Bruxa do Mar do Popeye.
-Peraí, você disse sobre céu dos peões, né?É católico, cristão?Essas diversidades?
Hehehe, diversidades era foda...
-Então (continuou), tem uma entrevista na entrada e você pode dizer o que quiser para entrar, só que tem duas perguntas que deve responder certo.
Eu:-Hum...
-Acredita em Nosso Senhor Jesus Cristo como Salvador?
-Você tá perguntando para mim?-Disse eu confuso.
Apertou o óculos e continuou:
-È claro que você vai dizer sim, né poorraa!!
Essa me ofendeu, me senti idiota ...
-Qual a senha?-emendou .
Eu:-Hum...(caralho de história surreal, essas figuras me param pela cidade-pensava...)
-Jesus fartura!!!
-Caralho!!!Tem uma placa dessa perto de casa!-eu apontei para ele impressionado.
-Uiui uiui-Começo a cantarolar a música do Arquivo-x.Comédia.
Deu um tapinha nas minhas costas e começou a balançar a cabeça como se aquilo fizesse sentido.
-Bebe essa porra.-disse calmo e com uma expressão de serenidade.
Bebi.Caralho, que whisky bom: descia que era uma beleza, não era nada parecido com os gorós de terceira que eu havia tomado, nem tomava muito whisky porque achava que era um troço que estava restrito aos bebuns com grana e eu era aquele cara que escolhia as vodkas nos supermercados 24 hs com a etiqueta vermelha de promoção.
-É uma festa ducaralho: tem rola e buceta para todas as finalidades e destilados a dar com pau.
-Tem vodka na casa de Jesus?
Me deu um tapinha nas costas.
-Eu vou te dar a letra, patrício.Mas eu não posso voltar lá...
E eu balancei a cabeça.Fazia sentido .
É..

sexta-feira, 7 de setembro de 2007

porra e estrelas.

Quando eu ouvi esses caras pela primeira vez eles já estavam mortos.Uns 300 anos.E às vezes me pego imaginando o que eles ouviam antes disso, quando não havia nada para se ouvir a não ser o barulho de bombas, guerras e depois o Zeppelin queimando no ar graciosamente gritando no rádio pela humanidade.
E aqui tenho o som deles emulado perfeito pela acústica do sistema de som da cabine: desligo o noticiário e deixo esse som me tomar a vida.A minha vida que eu vejo passar em números de relatórios e pesquisas mantendo o curso da nave na escuridão.
-Filho, está mesmo disposto a isso?
Que pergunta a do capitão!
A gente sabe quando a merda bate no ventilador e vai sujar a parede feio, e sim, eu estou disposto a isso, caralho!Respondi.
É escuro aqui: uns tons azuis, reflexos brancos de capacetes; às vezes quando tiro a roupa para tomar banho sinto algo caindo pelo corpo todo, masturbações solitárias e tristes na poeira estelar , mas me deixem aqui com esses velhos boppers que eu aguento mais um pouco.
Outro dia o merda me fala pelo monitor:
-Que bosta de música é essa?
Eu só olhei com desprezo e desejei a pior morte da história da humanidade para ele.Mas qual seria?Pergunta difícil com tanta morte interessante pra pensar...
Quatro anos de serviço até o momento, monitores e tanques e tanques de oxigênio: viverei bastante se depender do governo, mas aqui nesse silêncio a gente se acostuma a pensar na morte, humanidade e outras coisas.
-Essa é a sua condição?Você está louco?!O que vai fazer com isso lá fora da órbita?Isso é um ultraje!
É, eu tava louco mesmo, tanto, que aceitou com a língua no rabo depois: ele sabia que eu era o único idiota com as respostas para o enigma complicado que a humanidade precisava e o único gênio nascido há muito tempo nessa era de bosta onde você só escolhe características bestas com o avanço da "correção genética".Não gosto desse termo.Eu nem queria ter nascido loiro: mamãe devia ter escolhido que eu fosse negão como o velho Thelonious.Caralho, eu queria parecer com ele e não com o galã de novela da adolescência dela!
-O que te motiva a encarar essa missão?E essas exigências?
Dizia sempre a tesuda da psicóloga Dra Marie que me fez um único favor em suas dezenas de consultas: servir de inspiração para as milhares de punhetas que bato para ela olhando para a lua lá embaixo e as nebulosas inomináveis; a minha porra grossa em jatos artísticos congelada na gravidade zero dançando em slow motion contra o monitor escuro em tons azuis, o sol a leste de moldura psicodélica ao fundo tremulando com seu laranja e o pensamento nos seus peitos e coxas lambuzadas pela minha saliva nojenta e abundante procurando o caminho com a língua até a sua buceta, Marie, ouvindo o trumpete do senhor Miles Davis e as minhas exigências, Doutora...
E eu aqui, doutora, quatro anos depois: loiro, com esse pinto duro na mão que minha mãe escolheu até o tamanho com carinho pela divina "correção", batendo punheta todos os dias pensando nos peitos da senhora, olhando pro espaço a minha frente que não me responde nada além de estática e que a humanidade espera que eu a salve jogando 37 anos da minha vida fora nessa missão suicida sem que eu faça exigências, querem que eu aceite tudo passivamente enquanto o mundo joga um jovem gênio de 22 anos num fogo de vaidades incerto pelo bem da raça humana?
Pois bem, eu consegui a minha doce heroína e todo o jazz compilado no mundo até hoje.
Amanhã mudo o curso e vou viver viajando pelas estrelas e buracos negros com o som no talo nos altos falantes externos tocando Gillespie pelas galáxias, pensando numa morte poética para o capitão e na bucetinha gostosa da dra Marie e quero que a humanidade se foda .

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

sunday morning coming down

Meu tio morreu no bar.Era domingo e ele tinha ido ver os compadres e tomar uma cervejinha de manhã.Tinha um time de várzea que ele gostava de ver enquanto o mundo todo tava na missa, mas eu não sei se o time ia jogar naquela manhã em que ele morreu.Gostaria de perguntar para ele.Ele bebia tranquilo .
Meu tio Tonhão, ele era foda...
Eu e ele protagonizamos uma viagem para Mongaguá que estará impressa na minha memória para sempre, aquela foi a minha road-trip que me definiu como homem e as nossas conversas sobre mulheres serão inesquecíveis.
Ele sempre ligava em casa e quando eu pegava o telefone era impossível não reconhecer sua voz grave (uma voz muito foda, era o nosso Johnny Cash) e aquele tom" E o nosso Parmera?" era inconfundível: quando entrei no Segundo Grau minha voz começou a ficar bem grossa e eu gostei quando uma menina me perguntou na escadaria do Alves se eu tinha bronquite e porque falava tão grave, se a minha voz já era grossa eu imaginava que ela ficaria igual a voz do meu Tio Tonho, sentia que estava no caminho...
Acho que eu era só um adolescente e todos mudavam suas vozes, menina.
Uma vez ele passou em casa depois do trabalho como taxista e foi uma tarde tomar chá com a gente lá na Vila.Que saudade de você, tio.Fazia sol naquele dia e eu me lembro do reflexo que batia no chão da sala pela janela, da gente assistindo aquela tevê enorme de antiga que minha mãe ganhou de uma patroa com a imagem embaçada pelo sol e a sua expressão era a de um homem que fazia tudo na vida pelo tesão e jamais mudaria; eu não tive muitas figuras masculinas paternas e fui crescendo como aquele pão caseiro que a gente faz em casa e nunca fica do tamanho e forma que a gente quer (sai todo torto e imperfeito), não tive isso na adolescência , mas tive o senhor, mesmo que ausente às vezes para me inspirar e escrevendo essa porra começo a chorar pensando que sempre ninguém acreditou no senhor, que era tido com um gauche que vivia flanando em empregos e andanças para lugares que ninguém sabia e eu que fazia e ainda faço o mesmo, não tenho vergonha de também o ser; o senhor foi uma das poucas pessoas livres que conheci na minha vida e eu gostaria de ser livre um dia como você foi .O senhor era incorruptível e uma vez me disseram que eu também era...
Ele era livre.
Quando eu era pequeno encontrei num velho armário um monte de recortes de jornais: eu estava procurando um jornalzinho que tinha uma matéria minha quando ganhei um prêmio por uma pintura sobre o trânsito, desenhei um semáforozinho tosco com as cores verde, vermelho a amarelo certinhas e um guardinha.Incrivelmente foi o segundo melhor desenho que fiz na minha vida e ganhei uma coisa por ele (sei lá o que era...) tamanha era a ocasião especial e incomum.
Fuçando aquele monte de jornais amarelos e mofados encontrei tantas coisas e até então a minha favorita era a história de um crime (eu era um muleque fudido obcecado com histórias e filmes de crimes; não mudou muito...), tinha um recorte de um cara que era um irmão de um traficante das antigas chamado Bonecão, foi assassinado com dezenas de facadas perto do bar que a minha vó tinha (ducaralho pensar que morei praticamente num boteco) em frente em casa .Eu sabia essa estória decor e acumulei muitos detalhes.
Mexendo nos recortes policiais que eu adorava, encontrei um em particular meio escondido, enfiado em baixo do papel do forro .
-Mãe quem é esse cara que tá preso?
E minha mãe me falou com muita pausa naquele tom que a gente encontra às vezes na vida e separam o que é mundo e o que é inocência, como aqueles separadores de livros enormes e verdes que tinham na velha biblioteca que eu flanava minhas tardes que ninguém sabia onde eu estava.O meu momento Kodak.
Meu tio pegou cana sim e a bronca dele eu não vou falar, tampouco vem ao caso.Ninguém sabe o que é ser enjaulado e ter sua jega até estar lá, fácil é dizer que todo mundo lá não presta e deve ser queimado e exterminado enquanto você pega um busão cheio de gente igual a você e se ilude que tem uma vida digna, assiste o Datena na sua tevê antiga e tem a consciência de que as pessoas do busão são diferentes de você; sim seja o contente dessa sociedade fudida que quer o seu consentimento para enfiar uma trave de futebol inteira no seu cu ao som de carnaval, imagens de Carmen Miranda e (ah!) uma faixa para você colocar no peito em verde e amarelo "Sou brasileiro e não desisto nunca".
Nelsão já dizia: "toda unanimidade é burrra".Meu tio gostava dele.
Na cadeia tem gente ruim e gente boa, tem de inocente a sangue ruim filho-da-puta que se orgulha do que fez , tem aqueles que pedem licença ao entrar na casa nova e aqueles "coitados" que roubam para comer com vergonha de entrar e medo na primeira noite, outros estupram e matam crianças, outros são estuprados lá mesmo, tem velho e muleque: os piores e os melhores num mundo em miniatura e grades .No busão também tem, no meu trampo, na sua faculdade, ao seu lado, nos motéis e em casas que imprimem papéis.Só que eles não estão presos.Serão um dia , talvez não...
Meu tio foi uma das melhores almas que já viveram.
Quando eu tinha 15 anos queria ficar longe de uma desgraça que aconteceu comigo e implorei que queria ir para Mongaguá e ver um lugar diferente na minha vida (foi a primeira vez que cresci), e ele estava comigo, andamos tanto pelas ruas a flanarmos juntos como Che e Granado em nossas motos fudidas de chinelo nessa road trip dos meus quinze anos, era o meu baile de formatura; vimos o senhor Manfrini que morria lentamente com câncer a contar suas estórias impressionantes de boxe e a jovem filha bonita dele que me olhava de vez em quando por essas tardes; lembro daquelas cervejas em casa embaixo da pia com as tampas enferrujadas e minha vó disse que elas tinham vencido e ele sacou essa:
-Mãe, cerveja não estraga não!Onde já se viu dizer que cerveja tem prazo de validade!!
E bebemos a nossa cerveja com um certo gosto metálico e delicioso.
A semana passada fez um ano que ele faleceu: exatamente dois anos após a minha tia Áurea também se despedir do mundo (falo dela um outro dia).Minha prima Tati (filha dela) que me encontrava num enterro a segunda vez seguida me disse:
-É, parece que a gente só vai se se ver agora nesse lugar...
Eu a abracei forte e não consegui falar nada.A mãe, o pai dela e o tio se foram.Mesmo cemitério.
Meu tio lá no caixão...
Eu segurei as suas mão frias e disse uma coisa em seus ouvidos.
Carreguei o seu caixão.Carreguei o da minha tia também e carregarei o de quem for importante na minha vida: ninguém pode me roubar o amor e respeito que tenho pelas pessoas que me inspiram nessa porra de vida, é a única coisa que não depende de empregador, carimbos ou protocolos, mesmo que isso seja unilateral.Carrego caixões.Bebo em nome deles e delas no boteco da esquina e levanto o copo em reconhecimento.Faço um toast silencioso.Tardes e noites que ninguém sabe para onde vou.
E lá se foi o meu tio enterrado no chão de covas abertas a céu aberto na terra marrom umas ao lado das outras, sem mármore ou criptas memoráveis: só uma plaquinha com o seu nome para não rezarem ou cuspirem pro corpo errado sob o vento de um quase meio-dia estranho.Cachorros dormiam no cemitério com as cabeças nas guias como travesseiros, eles pareciam tão tranquilos ...
Esses dias o meu pai me disse que teria acompanhar a exumação do corpo da minha tia para colocarem os ossos em gavetas do cemitério.O mesmo cemitério, pois as covas no chão são quase ocupadas diariamente e tem que se ceder lugar para outros.Minha mãe disse:
-Ai, credo!Deus me livre!
No carro ele me disse:
-Arthur, é uma coisa que todos pensam que é horrível, mas queria te dizer que todo mundo devia fazer.
Lançou essas palavras pelo ar e eu o olhei para ver o que queria dizer, como eu devia ter feito um dia quando era criança e não entendia.Olhar curioso de quem saber as coisas estranhas do mundo e ser fudido.Ele explicou:
-Eu fui na exumação do meu pai.E no meio daquele fedor do caralho, um monte de ossos e trapos eu vi que o meu pai não era aquele monte de sujeira: eu sabia que meu pai não era aquilo.
Eu balancei a cabeça.
É...
Meu tio sabia que meu pai um dia voltaria para ter esses papos que ninguém quer ter comigo hoje.
Ele era um membro do Clã Petrone, pai da Magali: negra mais linda do mundo, um palmeirense doente e apaixonado, um amante que sabia tanto de mulheres e o mundo da dor, viveu sozinho como quis e viu mais coisas do que devia e colecionava revistas relacionadas a assuntos variados de política, samba, futebol desde os anos 50, tinha quase todas as revistas da extinta revista Manchete.Eu herdei a sua coleção e para qualquer um pode ser um monte de revistas velhas guardadas num plástico em meu armário com mais filmes e livros que roupas, mas para mim é ele :meu tio Tonhão.
Esse que como Johnny Cash andou numa calçada de domingo de manhã para o Bar, que ia pegar mais uma cerveja para a sobremesa e se foi.Os amigos gritavam emocionados para a sua cova, faziam confissões "Antônio se foi ...meu amigo !E a nossa cerveja? eu vou tomar, fica tranquilo".
Eu te amo, tio: o senhor era incorruptível.

" On a Sunday morning sidewalk,
I'm wishing, Lord, that I was stoned.
'Cause there's something in a Sunday
That makes a body feel alone.
And there's nothing short a' dying
That's half as lonesome as the sound
Of the sleeping city sidewalk
And Sunday morning coming down."

-Pai, quando você verá os ossos?Eu vou também, é nóis...

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

ozu-sanma no anji(1962)


Esse filme de Ozu é de uma beleza alcóolica inebriante: cervejas, copos, sakê e a sua vida sobre risadas de canto de boca quase tristes, o olhar para o fundo do copo e idas e vindas nos bares e casas de amigos; a rotina que definitivamente tem o seu encanto nesse filme de Ozu.
Ao sentar na cadeira do Centro Cultural e ver cores na tela é um coisa curiosa e quase que chocante após todos esses dias vendo os clássicos em duas, três sessões uma após a outra.Você pensa: "tomara que não seja um filme ruim de Ozu" porque você associa o preto e branco a tudo de bom desses mestres orientais, chega até a pensar que não deve ver mais filmes coloridos e que chegando na locadora a primeira coisa que irá fazer será rever "O Sabotador",na minha opinião um dos melhores filmes de Hitchcock...
E lá está Ozu em seu último filme em vida: morreria um ano depois depois de realizar esse seu " A rotina tem seu encanto" retratando os primeiros passos da gigante Tokyo em seu momento-feto regado aos neons (tímidos) apocalípticos que iriam inspirar o estilo do futuro-cyberpunk visto em "Blade Runner.
É o pós-guerra retratado de uma forma natural e cotidiana pela lente de Ozu no seu estilo inconfundível; tanto que após ver os filmes desse cineastas tão distintos você já sabe quem é Ozu ou Mizoguchi só pelas imagens iniciais.
Hinayama (Chisu Ryu, preferido de Ozu) é um velho viúvo pai de três filhos e ex-militar que leva uma vida aparentemente tranquila com os filhos mais novos: a sua filha Michiko está com 24 anos e cuida do irmão mais novo e do pai.
Uma reunião com velhos amigos de colégio irá colocar Hinayama em contato com muitas coisas alheias a ele: idas e vindas regadas a muito sakê lhe fazem reencontrar o velho professor da turma o famoso"Cabaça", um velho triste que agora vive de fazer noodle em sua humilde casa; os velhos companheiros se sentem mal por ver o velho mestre numa situação tão desconfortável depois da guerra e passam a chamá-lo para as bebedeiras quase que diárias.
Hinayama anda por aí...
Encontra pelos bares um velho conhecido de guerra que o apresenta a um bar estranho que coloca marchinhas militares a pedido dele, os dois se sentam no balcão e conversam sobre um mundo esquecido e doloroso para a história japonesa de uma forma divertida e angustiada.Tem uma cena maravilhosa onde os dois enchendo o caneco ponderam porque o Japão perdeu e o amigo de Hinayama diz :
-Estamos aqui bebendo whisky e tomando coisas que eles tomam ...E se o Japão ganhasse ?Estariam lá as americanas: usando perucas, mascando chiclete e tocando shamisen pelas ruas de NY...
Hinayama pára e diz :
-Bem, então foi melhor termos perdido mesmo!
E os dois riem .O cinema hollywoodiano jamais trataria uma tragédia como essa de uma forma tão descontraída e realista.Ainda mais depois de tão pouco tempo o Japão ter levado uma bomba atômica na cara, depois de serem escurraçados do Vietnam o cinema deles se ocupou em criar heróis em resgates sensacionais dessa guerra como se nada tivesse acontecido...
Vendo a vida de seu velho professor que numa noite triste de bebedeira lhe confessa que o pior arrependimento de sua vida foi ter tolerado a filha cuidando dele e abdicando da própria vida, Hinayama começa a entrar em crise e que talvez se torne um "Cabaça" se as coisas se acomodarem.O tema do casamento é uma constante em filmes de Ozu como o lindo "Pai e filha ", mas aqui ele não é carregado pela ótica do drama da filha e sim a do pai que entra numa crise existencial.
Existem sequências realmente hilárias e brilhantes e duas em particular mexeram comigo e o público (que compareceu em massa, eu achei demais a comunidade japonesa velhinha ter prestigiado):
-Num bar, Hinayama e seu amigo Shuzo Kawai bebem despreocupadamente quando a atendente pergunta onde está o outro amigo e sua jovem e recém esposa: durante o filme todo os dois tiram um sarro dele porque ele um dia vai morrer de trepar para dar conta do recado com uma mulher tão nova e exigente e que vive de "coleira curta" (o que meus amigos há um tempão atrás chamavam carinhosamente de "pussy control.) e bem, eles respondem para a atendente que estavam discutindo os detalhes do enterro!Que o amigo tinha batido as botas devido ao "trabalho duro"!E a mulher pergunta o porque !E começa a acreditar!Genial.
-Koichi, o filho mais velho de Hinayama tem um amigo,Miura, que quer lhe vender uns tacos usados.Um dia quando o pai descobre que Michiko nutre uma paixão secreta por Miura e lhe conta que o moço já estava comprometido mas que havia tentado arranjar um casamento para ela, a filha responde numa cena tocante diz "Pai, fico contente que você tenha perguntado para ele ."Hinayama pergunta se não estava triste: ela diz que não e sai sorrindo, o pai e o filho comemoram que ela tenha levado na boa.E logo em sequência desce o filho mais novo dizendo"Que aconteceu com ela?Porque tá lá em cima se despencando em lágrimas!"
Esse filme de Ozu se permite a um texto mais descontraído mas não se trata de uma comédia declarada: enquanto Hinayama vai descobrindo a verdade sobre o desapego e que quer um futuro bom para a sua filha antes que seja tarde, através de copos em lugares estranhos a gente que assiste vai descobrindo o que há por trás dessa rotina que parece que tudo está bem.E não se trata de um filme moralista sobre álcoolatras com lições bestas sobre os excessos, é sobre o desapego revelado através deles.O álcool profético.
É o que a gente vê em fundos de copos de cerveja pelos bares da cidade...
Hinayama olhando para o quarto da filha: cabides, ármários vazios.Solidão.Nenhuma palavra ou legenda: tudo traduzido pela lente de Ozu.
Depois de ver tanto sakê me deu vontade de tomar um e como já era tarde não dava para passar na Liberdade: passei no supermercado companheiro que me forneceu latões de Skol por 1,49 todos esses dias na volta para casa e procurei; encontrei uma linda garrafa de sakê com fotos de árvores de sakura na embalagem por 35 reais....
Melhor esperar a Liberdade.
Espere a primavera, Belmont...
Embriagado por Ozu: puta porre bom da porra.

sábado, 18 de agosto de 2007

mizoguchi-ugetsu monogatari(1953)


Se eu tivesse uma avó japonesa certamente a véia estaria comigo para assitir essa poesia de Mizoguchi que reúne tantos elementos clássicos de contos japoneses.E envolve um período fértil de histórias, que foi o período da guerra civil e aquela treta maldita entre Oda e Tokugawa.
Tinha um monte de gente na sessão e uns 30% eram velhinhos e eu achei isso ducaralho.
Estava um trânsito absurdo e mesmo com o "nosso corredor", levei uma hora e meia para chegar; quase perdi a sessão, mas a culpa não é da cerveja, desta vez não obaa-san...
Eu adorei esse filme: é tudo o que um grande japonês-bastardo que nem eu usou como referência até agora.Tudo o que se admira e leva como referência dos contos e filmes japoneses sobre samurais, demônios, kabuki, guerra e amores impossíveis está ali.
E mulheres fortes.As "quase" irmãs de Oharu-chan.
Esse é o lindo "Contos da lua vaga depois da chuva", famoso "Tales of Ugetsu " para os gringos e se eu não me engano (uma teoria minha), talvez seja um dos filmes mais populares de Mizoguchi fora do Japão, tamanha é a dedicação de palavras que os gringos dedicam a ele em suas resenhas.
Começa o filme.Bem lotado mesmo, eu gostei de ver gente assistindo essa mostra e prestigiando: uma das melhores aqui em Gotham City.
Mas não é que me senta um cara do meu lado com umas bostas de umas revistas no colo "Home Theater" e "Men´s health" e um saquinho infernal de sei lá o que era, se é amendoim ou algum grão que a Men´s Health disse para ele obter os seus músculos e corpo torneados.
Um saco infernal: um filme silencioso e permeado por imagens dos campos no início sem a guerra e com uma fotografia linda (uma das mais lindas que eu já vi.sério) e esse filho-da-puta- narcisista fazendo aquele barulho de plástico que ele sabe que incomoda naquele silêncio e então (como se fosse adiantar algo) começa a comer bem devagar!!!!Um saco que se desdobra em milhões da barulhos a cada movimento mínimo ao som de uma coletânea de "Os sons mais irritantes já criados no mundo".Uma tortura ele pegando um de cada vez esse saco infinito de culhões de hamster ou sei lá o que a "Mens´s Health" diz para se obter mais potência no sexo.Matéria da capa...
E mastiga lentamente, como se não fizese barulho aqueles culhões pequenos!
E o saco não acaba!É infinito!É um saco mágico das terras dos Homens-Saco feito magicamente para atormentar os malditos (que como eu) querem ver o filme!O saco dura o filme todo!E quando termina o filme o maldito ainda está com o saco na mão comendo!!Um saco do tamanho de um pacote de Stiksy!!!O Milagre da multiplicação do saco!!
Bem...
Que fique registrado que eu o odeio.
Esse filme é formado por dois contos japoneses e o mais genial é que eles são um só e independentes na narrativa: num vilarejo de trabalhadores humildes vivem Genjuro (Mori, fantástico), um talentoso artista da cerâmica que trabalha com sua esposa Miyagi e o pequeno Genichi.Esse é o casal que forma um dos contos.Ao lado vivem Tobei, um desempregado que sonha em ser samurai (cunhado de Genjuro e irmão de Miyagi) e sua esposa Ohama (fiquei impressionado com a beleza dessa ótima atriz chamada Mito Mitsuko).
Os dois casais são ligados obviamente pelos fortes laços de família e o trabalho.Enquanto Genjuro no início do filme vai para a cidade grande tentar vender suas obras e sustentar a família (e se dá bem nisso inicialmente), Tobei é um desajustado que quer se tornar samurai, mas não tem talento algum para isso e ignora a condição da esposa e os deveres, chega a fugir mas é humilhado pelos samurais que dizem a ele que "não passa de um mendigo e deve arrumar uma armadura e lança".
O início da separação entre o curioso grupo se dá com a guerra civil chegando ao vilarejo desses fudidos trabalhadores e suas pequenas plantações de arroz.A câmera de Mizoguchi "passeia", inspirada, mostra esse dois momentos (paz-guerra) com uma beleza ímpar, principalmente quando o exército de Shibata chega a vila e aquela paz que os próprios moradores sabiam que não ia durar muito é abalada: os momentos são mais cinzas, monocromáticos e se vê que é uma arte saber fazer um filme em preto e branco com um fotografia dessas.
O grupo foge deixando toda a produção que ia lhe garantir o sustento.Genjuro e Tobei (que firmaram um acordo de trabalharem juntos ), irão perder tudo e isso não pode acontecer, tanto que deixam muita lenha no forno para que as peças não fiquem inúteis.Quando o exército for embora, prosperarão.A guerra.
E esse grupo perambula fugindo da guerra, mas é inútil.Tobei ainda quer ser samurai: chega a roubar uma parte de armadura.Genjuro milagrosamente salva a sua produção de arte.Estaria tudo resolvido, mas na viagem que salvaria as suas vidas para a cidade, piratas atacam o mar e Genjuro resolve deixar a mulher em terra para salvar ela e o filho: iria sozinho para a cidade com Tobei e Ohama.
E fica a mulher com o filho, vivendo em escombros com cheiro de queimado.Com fome .
Tobei rouba o dinheiro da venda e foge para comprar uma armadura sem dor na consciência .
Ohama vai atrás do marido desesperada e acaba sendo estuprada por homens que depois de gozarem e se divertirem jogam umas moedas na cara dela.Vira puta.
Genjuro se apaixona pela Lady Wakasa.E vai viver com ela .
Esses personagens desgraçados perambulam pelo Japão com fumaça preta para todo o lado e se vê um mensagem bem clara: os homens pelos seus sonhos e ilusões (Tobei que quer ser samurai e Genjuro que esquece da mulher que está cuidando de seu filho e parte para comer a linda fantasma Wakasa).E as mulheres se fodem mais uma vez, um exército de Genis :Miyagi sendo saqueada e se escondendo mais que o Adriem Brody em "O Pianista" e Ohama virando puta e desgostosa com a vida.
Uma desgraceira só.Uma poesia dura e bela.Inspirada, a câmera passeando por essas vidas desajustadas e separadas pela guerra.
Minhas cenas favoritas:
-Genjuro quando percebe que há algo errado em seu amor por Wakasa, encontra um monge exorcista que "tattooa" com kanjis várias rezas e selamentos para acabar com a ilusão.Eu achei muito loca a tintura, daria uma bela Tattoo.Uma cena perturbadora se inicia com a velha que começa a dizer como a Lady ficará sofrendo com a perda desse amor e ela começa a abraçá-lo pelas costas de um jeito assustador.E a reza começa a fazer efeito.Wakasa possue a expressão de ternura e inferno em sua fúria.
Essa cena é maravilhosa: luz de velas tremulando, a velha armadura do pai de Wakasa.Genjuro dando golpes com a katana no vazio.Demais.
-Tobei finalmente consegue ser um samurai respeitado por todos quando mata covardemente um samurai que havia decaptado o mestre dele a pedido do próprio e leva a cabeça desse que era um grande general poderoso e inimigo (hum...covardes de guerra e carniceiros que se aproveitam com a morte...já vimos isso últimamente ,não é?!): obtém cavalos, vassalos e muito dinheiro.Parando num prostíbulo ,começa a contar suas glórias de guerra que nunca aconteceram (esse ator se transmuta nessa hora: fala diferente, todo pomposo, físico muda.Atuação fantástica.) ,quando encontra Ohama (que mulher linda, pintada naquele estilo bem japonês!) saindo na porrada com um cliente que não quis pagar pela foda.Os dois se reencontram e num jardim a luz do luar, Ohama descarrega sua decepção dizendo que todo o dinheiro que ele ganhou com glórias que agora o usasse para comer a ex-mulher que virou puta por causa de uma merda que ele fez.Os dois se agarram chorando no jardim.
Filme poético.A guerra fodendo com o povo.As crianças perdidas em meio a isso tudo.O amor sobrenatural e ilusório, passageiro e pequeno perante a pobre Miyagi.Sonhos bestas de glórias numa época desgraçada com fumaça preta queimando em qualquer canto.
Mizoguchi é muito foda.
E na volta para casa andando com a cara perdida e colada no vidro do ônibus eu enxergava a fumaça por entre os arranha-céus da Paulista.Tem algo queimando no momento.
Mas ninguém vê.